In Verbis 02-11-2008 - Divórcio litigioso. Um testemunho
Jaime Roriz, 50 anos, é pai de uma menina actualmente com 10 anos, filha de um casamento cuja dissolução aconteceu contra a vontade da mãe. "Eu mudei de cidade, mas ia quase todos os dias a casa da minha ex-mulher (distante de uma centena e meia de quilómetros) para dar banho à minha filha. Cantava-lhe uma canção, vestia-a, e essa foi durante um ano a minha maneira de estar com ela. Depois as coisas começaram a correr mal e a mãe da minha filha tornou-se extremamente violenta, mudou a fechadura da casa e impediu-me de estar com a menina. A essa recusa juntaram-se outras circunstâncias, a mudança de cidade, de emprego, e a verdade é que tive muita dificuldade em lutar contra isso. A minha vida estava por demais complicada, e confesso que houve um momento em que baixei os braços, e desisti momentaneamente. Quando a minha vida estabilizou um pouco, tentei reaproximar-me da minha filha, mas fui mal recebido. Na altura em que ela fez dois anos, apareci lá em casa, mas a avó materna recusou-se a deixar-me entrar, e participar do dia de aniversário. A mãe da minha filha anunciou então que eu só poderia ver a menina em casa dela e na presença dela. Sim, penso que ela tem um ressentimento enorme contra mim."
Advogados impreparados
Para Jaime Roriz, ele próprio jurista, alguns os advogados têm neste tipo de casos uma intervenção que considera insuficiente. "Para eles um processo destes não passa de mais um, mas a verdade é que este tipo de processos envolve quase sempre um grande desgaste emocional, relativamente ao qual muitos os advogados não estão minimamente preparados. Percebi muito cedo que dificilmente conseguiria arranjar um advogado que fosse comigo a uma conferência de pais, e que pegasse no assunto como ele merecia. Eu dou apoio jurídico numa associação e sei que a primeira coisa que as pessoas fazem é passar a sua angústia ao advogado. Se eu não tivesse alguma preparação, que decorre também do meu caso pessoal, eu saía de todas essas reuniões de rastos. O que a generalidade dos advogados faz é construir uma "parede emocional", para não deixar que essa angústia os afecte - mas isso não resolve nada. Por outro lado, é preciso ver que este tipo de processos não tem muito interesse para os advogados, porque obrigam a muito trabalho, muitas diligências, muito tempo, por pouco dinheiro. E portanto não é uma área vantajosa para eles. Eu confrontei-me pessoalmente com essa realidade. Só consegui pegar novamente no processo quando a minha filha já tinha 6 anos."
Perversões do sistema judicial
"A dado passo houve um juiz que se mostrou interessado em resolver o problema. Fui ouvido por ele, que se decidiu pela aproximação entre mim e a minha filha, porque a criança tinha (e tem) direito a ter um pai, e um pai tem direito a estar com os seus filhos. Esse juiz disse-se pessoalmente empenhado em resolver o problema. Mas a conferência de pais que se seguiu foi com outro juiz. Tive três juizes ao longo do processo. Claro que isto não devia acontecer, ou enfim, ser a excepção, mas infelizmente é a regra." Jaime tem plena consciência de que a colaboração da mãe é fundamental para chegar à sua filha, porém essa ajuda nunca existiu, muito pelo contrário, já que a mãe investiu a partir de certa altura num discurso difamatório em relação ao pai. "Sim, concordo que os tribunais não enfrentam as mães, porque os tribunais fazem o que é mais fácil, porque da outra maneira dá muito trabalho. É preciso ver que os próprios juizes saem frutrados destes processos, o que explica que se desinteressem. Quanto a alguns representantes do Ministério Público, estão por vezes mais preocupados com a hora de almoço que já chegou e eles ainda estão ali a trabalhar... Isso aconteceu-me."
Impunidade das mães
"A dada altura, por ordem do juiz, fui durante seis semanas todos os sábados a casa da minha filha para passar com ela um momento. Comprei-lhe uma mochila, onde colocava todos os sábados com novos brinquedos, um livro para ler com ela, uma máquina fotográfica para fazermos fotos juntos, material para desenhar... Mas logo na segunda vez a mãe começou a boicotar. Ficava ali sentada no sofá, a menina no meio, eu dum lado, ela doutro, e inventava todo o tipo de coisas urgentes para fazer com a criança, interferindo constantemente. De tal forma que o Instituto de Reinserção Social interveio, e conquistei para o meu lado tanto as técnicas, como a psicóloga e a pedopsiquiatra, porque todas essas pessoas concordam que um pai tem o direito de acompanhar a vida da sua filha. Contudo, não há nada nem ninguém que possa punir a mãe da minha filha por boicotar tanto a minha como a acção deste pessoal técnico."
Sofrimento das crianças
Num segundo momento, Jaime passou a encontrar-se com a filha no espaço do então Instituto de Reinserção Social, agora Comissão de Protecção de Menores e Jovens em Risco, após o que ia passear um pouco com ela, entregando-a mais tarde em casa da mãe. "Invariavelmente, a mãe fazia uma fita quando eu chegava a casa dela. Um dia, sem razão compreensível, desatou a chorar à frente da criança, o que fez com que esta fizesse chichi pelas pernas abaixo. " Admoestada pelas técnicas do então Instituto de Reinserção Social, a mãe não abrandou contudo o boicote, transformando as visitas do pai em momentos de disforia culpabilizadora para a criança, que mais do que uma vez perdeu o controle da micção. E foi então que o pai bateu uma segunda vez em retirada, mais preocupado com a saúde e equilíbrio mental da filha do que com qualquer outra coisa. "Sou feito de carne e osso, e houve um momento em que à frente da técnica do Instituto eu disse que não aguentava mais aquele sofrimento. Alguém tinha de ter juizo e acabar com aqueles momentos de sofrimento insuportável para a criança, que evidentemente não percebia nada do que se passava, e se sentia culpada por aquelas cenas da mãe. Isto passou-se há três anos."
Entretanto, Jaime mudou de casa, onde pela primeira vez não fez um quarto para a filha, por se recusar a olhar para ele constantemente vazio. Inúmeras vezes este pai pediu à mãe que fizesse algum tipo de trabalho interior, uma psicoterapia por exemplo, passível de a ajudar a lidar melhor com a situação. Em tribunal, o pai solicitou uma avaliação psicológica à mãe, o que contudo nunca aconteceu, porque o tribunal não tinha meios coercivos para fazê-lo.
Mediação familiar musculada precisa-se
Jaime luta contra o estereótipo que dita que os filhos devam sempre ficar com a mãe, em favor da teoria da psicóloga (e autora de vários livros sobre a Alienação Parental em Portugal) Maria Saldanha Pinto Ribeiro, que defende que os filhos devem ficar com o progenitor mais flexível - aquele que seja considerado o mais equilibrado do ponto de vista do superior interesse das crianças. Sobre o poder das mães, Jaime pensa que cabe aos legisladores e aos juizes cerceá-lo, mediante textos legais constantemente revistos, no sentido de se manterem de acordo com as reais necessidades das crianças. Ainda assim, este pai sabe que a sociedade não se muda por decreto. "Os juizes vêem a guarda conjunta como um factor de conflitualidade, mas é preciso não perder de vista as questões filosóficas, as da doutrina. Porque se trata aqui de um valor que não pode ser posto de lado: o do direito das crianças a terem um pai. A regulação do poder parental não é a mesma coisa que a venda de um andar... Em processo civil, como é o caso, que tem uma jurisdição voluntária e em que os juizes têm autonomia processual, ou seja, no âmbito dos quais eles podem tomar iniciativa, as coisas deviam poder correr melhor. Note que por vezes os juizes tomam as boas decisões, mas depois não conseguem fazer cumpri-las, porque esbarram no poder das mães de fechar a porta aos pais, impedindo-os de ver os filhos. Penso que a solução passa por uma mediação familiar musculada, em que há um controlo objectivo dos movimentos das mães. As pessoas não podem dizer uma coisa e fazer outra. Os juizes não podem aceitar que um pai em incumprimento possa dizer que se recusa a tirar o alimento da sua boca para dar aos filhos - porque é isso que é suposto eles fazerem: tirar da boca deles para dar aos filhos! Ou não? Mas o que acontece é que a lei permite que um dos pais tome todas as decisões, sendo que o outro apenas tem o direito de vigiar de longe. Faz algum sentido, isto?"
Formação parental
Podem as pessoas continuar a ter filhos por paixão? Não deveria ser tornada obrigatória algum tipo de formação para futuros pais - que pudesse prepará-los para uma condição que jamais deveria ser assumida com a ligeireza comum às coisas da paixão amorosa entre uma mulher e um homem? Porque o que acontece é que a paixão se dissipa, tal como por vezes a união, deixando contudo filhos, com necessidades afectivas que as pessoas descuram em virtude da habitual falta de discernimento que marca o momento da separação de um casal. "Para tudo é necessária uma licença, incluindo a carta de condução de velocípedes para andar de bicicleta. Já para ter filhos, toda a gente pode tê-los" ironiza Jaime Roriz, que defende que os serviços sociais deveriam garantir formação para a parentalidade. "A verdade é que no momento da separação, pai e mãe estão em sofrimento, independentemente de quem tem mais ou menos culpa. Aliás a culpa é uma ideia judaico-cristã que não leva a lado nenhum, e ainda bem que este governo decidiu retirar esse conceito do texto legal do divórcio. Bom também que tenham mudado a expressão "poder paternal" para "responsabilidades parentais", porque é disso que se trata." Jaime Roriz está a candidatar-se a uma tese de doutoramento sobre a Síndrome de Alienação Parental, no âmbito da qual pretende construir um modelo jurídico passível de ajudar a mudar o estado das coisas.